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SAÚDE | A USP e a Cura do Câncer

Nos últimos meses vários veículos de mídia noticiaram a cápsula de uma substância que estaria curando pacientes com câncer, produzida por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) no Instituo de Química de São Carlos (IQSC). Desde então, um homem foi preso, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) se levantou em coro para silenciar as pesquisas, dezenas de pessoas alegam ter sido curadas e, essa semana, o Gabinete da Reitoria da USP entrou na polêmica se posicionando ao lado da ANVISA e dos órgãos públicos contra a produção e distribuição da substância.

Adriano FavarinMembro do Conselho Diretor de Base do Sintusp

sábado 17 de outubro de 2015 | 00:00

A prostituição da atual medicina não é segredo pra ninguém. Há anos a medicina tem deixado de propor a adaptação da sociedade ao bem-estar do homem, [e buscado] sacrificar o homem em benefício da ordem social”. Não bastasse esse vazio na filosofia médica, vivemos nos marcos do capitalismo, ou seja, da necessidade de valorização do capital em detrimento do humano e do social. Qualquer indústria, para justificar sua existência, necessita reverter lucro àquele que se denomina dono dos instrumentos daquela determinada produção. Isso é válido também na indústria farmacêutica, de produção de medicamentos, equipamentos hospitalares e de diagnóstico, em suma: na indústria médica.

É pensando no lucro e não na vida que os medicamentos são produzidos. Ao mesmo tempo, sabemos que no capitalismo, a relação do Estado, suas instituições e órgãos com a sociedade não é neutra, nem equilibrada. O Estado funciona unicamente como “balcão dos negócios comuns de toda a classe dos proprietários”. E assim atuam todas suas instituições, desde as insuspeitas Agências de Controle, Saúde e Vigilância até as Universidades e centros de pesquisa, fontes do conhecimento e da transmissão de algum saber. A indústria médica, para sobreviver, precisa das Universidades para a formação de médicos que sigam unicamente os protocolos que permitam a venda e comércio dos seus produtos; precisa de pesquisadores que não desenvolvam estudos que minimizem os seus lucros, mas sim que aumente o mercado de acesso aos seus produtos; precisa de órgãos de vigilância e repressão que evitem que médicos formados e pesquisadores mais críticos ‘saiam da linha’; precisa de pacientes ignorantes quanto a possibilidade de serem sujeitos sobre sua própria vida, doença e saúde; precisa de uma mística que eleve o “sapato e jaleco branco” acima dos mortais.

A indústria do câncer, tal qual a indústria da AIDS/HIV, a indústria psiquiátrica e demais indústrias que fabricam medicamentos e equipamentos para síndromes ou doenças degenerativas – assim como as pesquisas em torno delas – estão muito mais interessadas em gerar lucro do que curar as doenças. Como escreve o médico Gilson Dantas “É por essa simples razão – e por essa profunda determinação – que tais produtos produzem amplamente e regularmente danos, iatrogenias, efeitos colaterais pavorosos e também produzem a morte.” O avanço dessa medicina jamais caminha no sentido da cura, mas apenas do retardamento maior do tempo em que os efeitos colaterais levem o paciente à morte, para que ele possa seguir o máximo de tempo possível consumindo os produtos desta indústria e gerando lucro, como um moribundo em eterna degeneração.

E é pra garantir essa lógica que, vez ou outra, os agentes de repressão, controle e vigilância são obrigados a atuar. Quando médicos, pesquisadores ou indivíduos encontram métodos, modos de vida e/ou medicamentos alternativos que levem o paciente a uma qualidade de vida e reaquisição de uma saúde anteriormente debilitada, esses órgãos estatais atuam duramente em prol da defesa dos interesses da indústria médica. Argumentando a falta de “estudos clínicos”, que tal produto não seria “remédio”, falta de autorização por “órgãos competentes”, falta de “procedimentos legais”, esses órgãos tentam traçar como legítimo e inquestionável os atuais (velhos) métodos de tratamento, como se estes fossem o máximo possível onde a ciência conseguiu chegar e, portanto, qualquer outra terapia ou medicamento alternativo seriam ceder a “fórmulas mágicas ou poções milagrosas”.

É com esse conteúdo que o Gabinete da Reitoria da USP se pronunciou na última terça-feira (13) desaconselhando a utilização da fosfoetanolamina, a tal substância que estaria curando pacientes com câncer. Após a justiça conceder várias liminares obrigando a USP a conceder a substância a quem solicitasse, a Reitoria resolveu, por via de um comunicado reproduzido abaixo na íntegra, “alertar” os pacientes e familiares contra “exploradores oportunistas” que utilizariam da situação de aflição dessas pessoas para lucrarem.

Oras, mas não seria exatamente esse o método do qual se vale a indústria do câncer desde as campanhas midiáticas pela utilização periódica dos equipamentos médico-hospitalares como mamografia, tumografia e biópsia? E, em seguida, subordinando o paciente ao diagnóstico subjetivo que fica sob o crivo da avaliação protocolar e viciada do médico de plantão? E a pressão psicológica, médica e social exigindo os tratamentos convencionais por quimioterapia, radioterapia e cirurgias invasivas? Tratamentos esses sobre os quais existem milhares de artigos que demonstram que os efeitos colaterais podem ser mais nocivos do que a própria doença diagnosticada e que são utilizados há mais de três décadas sem nenhum avanço! E quanto a esses verdadeiros “exploradores oportunistas”? O que diz a Reitoria da Universidade de São Paulo? Nada!!!

Não obstante, a USP nos dá uma dica a serviço de quem estariam suas pesquisas e porque tamanha virulência em demonizar as pesquisas em torno dessa substância (e de qualquer outra que possa apresentar tratamentos alternativos – e que não visem lucro – à doenças degenerativas). Mais preocupada em verificar a possibilidade de envolver docentes ou funcionários em processos administrativos e denunciar ao Ministério Público os atores que podem estar sinceramente envolvidos na busca da verdadeira cura do câncer, a Reitoria da USP dispara que “Por fim, alertamos que a substância fosfoetanolamina está disponível no mercado, produzida por indústrias químicas, e pode ser adquirida em grandes quantidades pelas autoridades públicas. Não há, pois, nenhuma justificativa para obrigar a USP a produzi-la sem garantia de qualidade.”

Nesse parágrafo a Reitoria sela com quem está o compromisso da produção do conhecimento dentro da Universidade de São Paulo: com as indústrias, o lucro e o capital. Não é a toa que a Reitoria vem reprimindo o Sindicato dos trabalhadores da USP, aumentando o processo de desmonte da Universidade e a demissão de funcionários, cortando a permanência estudantil e atacando a carreira docente. Seu objetivo é fazer da USP cada vez mais um centro de excelência privado à serviço da acumulação de capital para poucos industriais e latifundiários e não um espaço universal, público, de ampla e livre circulação de ideias e com o conhecimento à serviço dos interesses da maioria da população trabalhadora.

Abaixo, na íntegra, Comunicado do Gabinete da Reitoria de 13/10:

A Universidade de São Paulo (USP) foi envolvida, nos últimos meses, na polêmica do uso de uma substância química, a fosfoetanolamina, anunciada como cura para diversos tipos de cânceres. Por liminares judiciais, a Universidade foi obrigada a fornecer o produto para os que a solicitam. Em respeito aos doentes e seus familiares, a USP esclarece:

• Essa substância não é remédio. Ela foi estudada na USP como um produto químico e não existe demonstração cabal de que tenha ação efetiva contra a doença: a USP não desenvolveu estudos sobre a ação do produto nos seres vivos, muito menos estudos clínicos controlados em humanos. Não há registro e autorização de uso dessa substância pela Anvisa e, portanto, ela não pode ser classificada como medicamento, tanto que não tem bula.

• Além disso, não foi respeitada a exigência de que a entrega de medicamentos deve ser sempre feita de acordo com prescrição assinada por médico em pleno gozo de licença para a prática da medicina. Cabe ao médico assumir a responsabilidade legal, profissional e ética pela prescrição, pelo uso e efeitos colaterais – que, nesse caso, ainda não são conhecidos de forma conclusiva - e pelo acompanhamento do paciente.

• Portanto, não se trata de detalhe burocrático o produto não estar registrado como remédio – ele não foi estudado para esse fim e não são conhecidas as consequências de seu uso.

• É compreensível a angústia de pacientes e familiares acometidos de doença grave. Nessas situações, não é incomum o recurso a fórmulas mágicas, poções milagrosas ou abordagens inertes. Não raro essas condutas podem ser deletérias, levando o interessado a abandonar tratamentos que, de fato, podem ser efetivos ou trazer algum alívio. Nessas condições, pacientes e seus familiares aflitos se convertem em alvo fácil de exploradores oportunistas.

• A USP não é uma indústria química ou farmacêutica. Não tem condições de produzir a substância em larga escala, para atender às centenas de liminares judiciais que recebeu nas últimas semanas. Mais ainda, a produção da substância em pauta, por ser artesanal, não atende aos requisitos nacionais e internacionais para a fabricação de medicamentos.

• Por fim, alertamos que a substância fosfoetanolamina está disponível no mercado, produzida por indústrias químicas, e pode ser adquirida em grandes quantidades pelas autoridades públicas. Não há, pois, nenhuma justificativa para obrigar a USP a produzi-la sem garantia de qualidade.

Os mandados judiciais serão cumpridos, dentro da capacidade da Universidade. Ao mesmo tempo, a USP está verificando o possível envolvimento de docentes ou funcionários na difusão desse tipo de informação incorreta. Estuda, ainda, a possibilidade de denunciar, ao Ministério Público, os profissionais que estão se beneficiando do desespero e da fragilidade das famílias e dos pacientes.

Nada disso exclui, porém, que estudos clínicos suplementares possam ser desenvolvidos no âmbito desta Universidade, essencialmente dedicada à pesquisa e à ciência.




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