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ESPIONAGEM FRANÇA | A França já tem o seu "Patriot Act" de espionagem

Desde esta terça-feira, os serviços secretos franceses estão a um passo de obter via livre para espionar a internet e interceptar comunicações telefônicas e cibernéticas, após aprovar-se na câmara baixa o projeto de Lei do primeiro ministro, Manuel Valls. A Anistia Internacional e outras organizações de direitos humanos qualificaram a medida de "liberticida".

Diego LotitoMadri | @diegolotito

quarta-feira 6 de maio de 2015 | 00:19

Com o fundamento de prevenir o terrorismo, o crime organizado e a espionagem industrial, a Assembléia Nacional aprovou em clima de urgência e com folgada maioria (438 votos a favor e 86 contra - uma dúzia deles socialistas) uma nova lei que legaliza a espionagem massiva sem controle judicial.

"Agora temos uma legislação à altura do que somos: uma grande democracia e um estado de direito capaz de afrontar as ameaças que questionam nossas liberdades fundamentais," disse o primeiro ministro em defesa da lei, questionada por organizações de direitos humanos como uma lei "liberticida".

As operações de espionagem se regiam até agora na França por uma lei datada de 1991, desatualizada em relação às redes sociais e às novas tecnologias, ainda que as ações dos espiões nunca se caracterizem por se restringirem aos parâmetros da lei.

O debate parlamentar coincidiu com a difusão no diário Le Monde de uma informação segundo a qual os serviços franceses dispõem há anos sem controle algum, salvo de seus próprios chefes, de um sistema de coleta e armazenamento massivos de informação denominado Plataforma Nacional Codificada e Descodificada. O sistema foi criado em 2007 e foi criado em Paris, ainda que o primeiro ministro Valls se defendesse dizendo que "não há nenhuma vigilância em massa".

A nova legislação prevê que os agentes de espionagem franceses recebam alertas automáticos mediante algoritmos informáticos de qualquer atividade considerada "suspeita" segundo seus parâmetros.

Ao mesmo tempo, a nova Lei habilita o uso de sistemas denominados Imsi Catcher, através dos quais os espiões poderão captar e registrar todos os dados telefônicos ou ordenadores "suspeitos", mas também de toda pessoa que se encontre a centenas de metros ao redor.

A completa discrição das atividades de espionagem que permite a nova lei inclui a instalação de dispositivos de rastreamento em automóveis, câmeras ocultas, a possibilidade de reivindicar dados às operadoras de internet para analisar o fluxo de tráfego, a colocação de microfones em locais privados, e inclusive a entrada em domicílio com uma simples autorização administrativa.

O chefe de governo francês, que pediu uma rápida adoção do texto em seu debate no Senado, rechaçou as "polêmicas inúteis" sobre a lei e as acusações "insuportáveis" de que é "liberticida", respondendo às críticas da boca dos parlamentares que consideram que a nova lei debilita o controle da espionagem e gera o risco de criar uma "polícia política".

A lei outorga ao primeiro ministro um maior poder para decidir sobre a espionagem de pessoas.

Ainda que a decisão de fazer uma lei sobre a espionagem fosse apresentada em junho de 2014, o debate da proposta foi feito no contexto dos atentados de Paris de janeiro contra a revista satírica Charlie Hebdo e contra um supermercado kosher.

Valls anunciou depois dos atentados que esta lei reforçaria o arsenal dos serviços de segurança. O primeiro ministro colocou eixo então na vigilância da internet e nas redes sociais, "agora utilizadas como nunca pelo yihadistas".

"É um dia triste para as liberdades individuais na França. Esta lei autoriza a intrusão massiva dos serviços do Estado em nossa vida privada sem mecanismo de controle digno desse nome," assegurou a presidenta da Anistia Internacional na França, Geneviève Garrigos.

Em idênticos termos se pronunciaram outros organismos de direitos humanos.
Dezenas de parlamentares receberam chamadas para que votassem contra e enviaram a Valls um documento com 119.000 assinaturas.

Ante as críticas e dúvidas, o presidente François Hollande ordenou que uma vez se supere o trâmite no Senado, o texto definitivo seja apresentado ante o Conselho Constitucional para assegurar que não contravenha a Carta Magna.

Todas as variantes reacionárias europeias, desde os concertos neoliberais governantes até as formações de extrema direita, xenófobas e islamófobas, como a Frente Nacional de Le Pen ou o Pegida da Alemanha, tendem a fortalecer-se neste marco. Por isso a ninguém surpreende a assombrosa semelhança entre o texto de Valls e o Patriot Act norteamericano, paradigma da restrição das liberdades democráticas que hoje é copiado pelo executivo francês.

Não obstante, em meio a uma aguda crise econômica e dos regimes políticos, as rachaduras estruturais do "projeto europeu" se mostram cada vez mais fundas e são cada vez mais os setores que tendem a questionar esta saída reacionária.

A extraordinária campanha de solidariedade contra a tentativa de encarcerar Gaëtan (estudante de história da universidade Le Mirail, membro da entidade sindical-estudantil Solidaires étudiantes, militante do Novo Partido Anticapitalista em Toulouse) em defesa das liberdades democráticas e contra o giro cada vez mais bonapartista e "liberticida" do governo francês parece ser uma mostra disso.

Para os trabalhadores, estudantes, e todos os setores explorados e oprimidos na Europa, as lutas serão mais duras nos tempos que virão. Para isso, fortalecer a unidade e a solidariedade entre os trabalhadores e estudantes e combater qualquer atentado às liberdades democráticas, assim como a xenofobia, a islamofobia e o antissemitismo, além da intervenção imperialista em qualquer lugar do mundo, estão entre as principais tarefas da esquerda e dos trabalhadores na França e na Europa




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