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“A FUMP me negou auxílio e me fez voltar pra casa de onde me expulsaram”

Publicamos relato de estudante de Ciências Biológicas da UFMG sobre sua experiência com a assistência estudantil oferecida pela FUMP. Em resposta às lutas contra o aumento do preço do “bandejão”, a FUMP tem dito que “na UFMG a assistência estudantil é direito”, com a Reitoria e a PRAE (Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis) apoiando esse discurso e defendendo o aumento do preço para R$5,60. A estudante não quis se identificar para não se expor nem expor a própria família.

quarta-feira 31 de agosto de 2016 | Edição do dia

“Eu sou aluna de Ciências Biológicas da UFMG, desde o ano de 2013, primeiro semestre, e eu comecei a precisar da FUMP, a pesquisar sobre assistência estudantil, a partir do meu terceiro período na universidade porque eu queria almoçar no bandejão como as outras pessoas e ter algum tipo de auxílio, eu estava precisando de ajuda, de alguma forma. Então fui, em um primeiro momento, na sede da FUMP que tem perto do Restaurante Universitário e eles me orientaram que primeiro eu tinha que preencher novamente a pesquisa socioeconômica no site e que depois eu levaria os documentos... Eu fiz isso, preenchi e levei os documentos que o próprio site indica, aí eles recolheram os documentos e falaram que no meu caso não tinha necessidade da reunião com um assistente social, que a própria funcionária que ficava no atendimento iria avaliar e entrar em contato. Nesse momento eu não tive nenhum contato com um profissional, sociólogo ou assistente social, e não demorou muito,

eles me mandaram a resposta falando que eu não fui classificada, mas não deram nenhuma justificativa também não. Na época eu não tentei procurar de novo e, como eu não consegui o acesso à assistência estudantil, eu tive que começar a trabalhar de carteira assinada

em algum lugar que me garantisse uma renda fixa. Porque eu tinha uma bolsa de R$400 reais, financiada pela FAPEMIG, por causa de um projeto de pesquisa, mas esse valor só era o suficiente pra custear o meu transporte porque eu moro Contagem e pego dois ônibus pra chegar até a UFMG. Os ônibus não fazem integração e eu estudo à noite, então é bem complicada essa questão do transporte.

Comecei a trabalhar no telemarketing mesmo, porque eu não tenho um curso técnico, nem nada... Pra trabalhar de carteira assinada tem que ser algum emprego que não exija nenhuma classificação extra, nenhum estudo a mais. Trabalhei como operadora de telemarketing durante esse tempo, do meu terceiro período até o sétimo, e era uma vida assim: eu pagava as minhas contas, porque na minha casa, a minha família não tem uma cultura de os pais ajudarem tanto os filhos, eles acham que não é tanta obrigação, porque eles consideram que o mais correto é a pessoa começar a trabalhar, casar, ter filhos... Viver uma vida com uma visão mais conservadora. A questão do estudo, não seria obrigatoriamente a prioridade na vida de um jovem.

Então, eu estudava e trabalhava, mas que era muito difícil porque na UFMG é quase impossível você estudar em apenas um horário e você estudar e trabalhar e ter essas responsabilidades era mais difícil ainda porque você não tem tempo de estudar, de descansar direito... E sempre preocupado também com a vida financeira.

Com isso, eu acabei me perdendo um pouco da faculdade, deixando um pouco de lado, e isso me prejudicou porque eu fiquei com, praticamente, três semestres atrasados, minhas notas e meu rendimento caíram bastante e, desde então, eu fiquei com esse déficit na parte acadêmica, precisando recuperar o tempo perdido.

No final de 2014 e início de 2015, por causa de conflitos dentro de casa, justamente por viver em uma família com hábitos conservadores e por eu não viver esses hábitos, a não ser que eu fosse muito hipócrita, a minha família solicitou que eu me retirasse de casa porque eles não concordavam com meu modo de vida, com a maneira que eu conduzia a minha vida sexual, por exemplo. Depois disso, eu fui tentar um auxílio na FUMP de novo. Perguntei se eu poderia levar os documentos novamente, já que eu não estava morando na minha casa (tive que morar de favor na casa dos outros porque eu também não tinha dinheiro suficiente pra pagar um aluguel), e pedi um auxílio pra que eu conseguisse me manter mesmo, sem precisar sair da faculdade. Porque se eu fosse arranjar um emprego que desse pra eu pagar aluguel, ou uma república, não dava pra eu me manter na faculdade, porque teria que ser um emprego de 6 horas. Aí dessa vez eles me concederam um atendimento com o assistente social, ele foi até bem receptivo comigo, conversou... Mas eu estava com a estrutura emocional abalada pra fazer qualquer inferência sobre isso, se ele realmente foi gentil, ou se ele estava me manipulando para que eu não solicitasse meus direitos.

Nessa época eu ainda não sabia que assistência estudantil era um direito, eu realmente achava que a FUMP era super legal e que eles sempre faziam mais do que deviam. Então eu nem me questionei, porque era essa a visão que eu tinha da FUMP. Eu não me dei o direito de questionar se eles estavam me negando, eu acreditei em tudo o que ele me falou.

Ele falou que meus pais tinham uma condição de vida muito estável, porque eles eram casados, tinham carro próprio, casa própria... Como se o salário dos meus pais, fosse o meu salário. Sendo que eu já havia explicado que na casa dos meus pais não se tem essa cultura. Lá, cada um tem seu salário, cada um paga as suas contas, sempre foi assim e eu não podia interferir nisso. Então o assistente social falou que o meu pai deveria tomar uma atitude sobre isso; ele foi bem machista quando ele falou isso, hoje em dia eu vejo o quanto ele foi machista por ignorar completamente a vontade da minha mãe dentro de casa – se minha mãe não queria que eu continuasse dentro de casa por causa de alguma coisa que ela acreditava, sabe, é um direito dela porque a casa também é dela e não só do meu pai; e o máximo que ele poderia ter feito é ter falado que eles tinham que conversar entre si, mas ele falou que meu pai tinha que tomar um posicionamento sobre isso e me pediu o telefone do meu pai (eu tava bem desesperada na época por isso eu passei o telefone do meu pai),

ele ligou pro meu pai pra saber o que estava acontecendo... Ele quis saber o porquê que os meus pais me expulsaram de casa, isso foi bastante constrangedor pra mim porque é uma coisa que envolve a minha intimidade sexual, então eu não queria relatar isso pra uma pessoa que era um estranho pra mim, era uma pessoa completamente de fora da minha vida, eu não queria ter que relatar isso pra alguém e eu tive que relatar.

E mais, eu tive que passar o telefone do meu pai, pro meu pai ter esse posicionamento e, realmente, como eu tava sem condição eu acabei tendo que voltar pra casa mesmo sabendo que eu não era tão bem-vinda e hoje em dia eu ainda vivo com os meus pais. Meu pai conversou comigo e pediu pra eu voltar, minha mãe concordou com isso, mas foi um trauma porque eu sei que é muito difícil viver num lugar onde eu não tenho liberdade cultural, onde eu não tenho aceitabilidade da minha forma de pensamento e da minha forma de viver e isso me causou um trauma bem grande porque eu já tenho conflitos psicológicos demais pra lidar com a forma que eu sou diferente da minha família.

E isso se torna muito mais conflituoso pra mim quando eu sou obrigada a lidar com essa situação sem ter nenhuma estrutura que me apoie nisso, porque seria diferente, se eu tivesse uma estrutura me apoiando pra eu lidar com isso...

Mas o que a FUMP me deu de estrutura foi virar pra mim e falar que, já que eu tinha esse conflito com os meus pais, que eu não tinha necessidade nenhuma de ficar em casa, que ele iria me conceder o acesso ao bandejão por 1 real, que era um acesso bem baixo, que eu ia poder almoçar e jantar a baixo custo na universidade e usar minha renda de forma que eu conseguisse ficar mais tempo dentro da faculdade e aí eu não ia precisar ir em casa, nem conviver com meus pais.

Mas e final de semana, sabe? Bandejão não funciona sábado e domingo então eu me vi, durante muito tempo, obrigada a ir pra casa de amigo e namorado nos finais de semana por não ter um convívio bom na casa dos meus pais. E na universidade, eu saía de manhã pra trabalhar, com o dinheiro que eu tinha eu comprava alguma coisa pra eu comer de manhã, chegava à universidade no horário que o bandejão tava fechando já, tinha que correr. E no dia que eu chegava aqui em cima da hora e não tinha bandejão, eu tinha que me virar pra gastar o dinheiro comendo de outra forma, e chegava em casa só no horário de dormir mesmo e ir trabalhar no outro dia de manhã... Minha rotina ficou assim durante bastante tempo.

Até que nesse ano eu fiquei desempregada. A empresa fechou as portas então eu estou sendo obrigada a pedir ajuda dentro de casa, porque eu não tenho auxílio dentro da universidade. Porque se eu não fizer isso, se eu não chegar em casa todo dia meia noite pra fazer bombom pra vender na universidade, se eu não pegar as coisas que eu faço paralelamente, e se eu não tivesse a sorte de uma bolsa de apenas 400 reais pra complementar minha renda, eu não ia ter como continuar os meus estudos, porque eu não ia ter dinheiro nem pra vir pra faculdade.

Então, nesse momento minha vida é assim: eu gasto em torno de 60 reais por mês com alimentação na faculdade, pra almoçar e pra jantar, então eu não preciso comer outras coisas, e peço um pouco de ajuda pros meus pais, que não têm condição de ficar me ajudando, porque eu tenho dois avós que fazem tratamento de saúde aqui em BH e meus pais ajudam no tratamento deles – inclusive eu falei isso com o assistente social no dia e ele ignorou, falou que não tinha como colocar esses dados junto porque meus avós não moram comigo (mesmo meus avós estando de 15 em 15 dias na minha casa, entendeu?). Eles falaram que isso não dá pra incluir nos dados e isso não iria influenciar na forma que a FUMP enxergava o meu caso.”

Chamamos todas e todos estudantes a enviarem também suas denúncias, textos, crônicas, etc. a este Esquerda Diário, para fortalecer a luta e desmascarar o cinismo dos que administram a universidade com assistência estudantil insuficiente e submetendo os estudantes a situações constrangedoras e a humilhações, dificultando a permanência dos estudantes – especialmente os carentes e os cotistas negros – e elitizando ainda mais a universidade.

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