×

HÁ 51 ANOS DO GOLPE | A FAFICH de ontem e de hoje

domingo 5 de abril de 2015 | 01:56

Há cerca de um ano, quando se completava 50 anos do golpe militar, no dia 31 de março de 2014, o antigo prédio da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG (FAFICH) foi tombado, sendo reconhecido como importante local de luta e resistência do movimento estudantil mineiro contra a ditadura militar. Alguns anos antes, esse mesmo prédio conhecido como “a FAFICH da Carangola” passou a abrigar a construção do Memorial da Anistia, reconstruindo parte da memória da faculdade, que mantém ainda em suas paredes as marcas de um longo período de resistência.

Há cerca de uma semana, pouco antes de se completar 51 anos do golpe militar, no dia 27 de março de 2014, o atual prédio da FAFICH passou por uma ofensiva conservadora vinda da grande mídia, com o jornal Estado de Minas à frente, o que culminou na decisão da Congregação de fechar a sede do Diretório Acadêmico Idalísio Soares Aranha Filho, proibir festas na faculdade e condicionar o funcionamento dos Centros Acadêmicos à diretoria.

Na ditadura, a resistente FAFICH da Carangola...

Durante os anos da ditadura militar, a FAFICH se conformou como um importante centro de resistência aos anos de chumbo, sendo palco da organização do movimento estudantil contra o regime e suas atrocidades. O Diretório Acadêmico dessa faculdade, que cumpriu um importante papel, teve inclusive na sua direção política diversos militantes de esquerda que foram perseguidos, mortos e desaparecidos, como Idalísio Soares Aranha Filho e Walquíria Afonso da Costa, mortos da guerrilha do Araguaia. Ali, naquela faculdade, centenas de jovens assumiram o papel histórico da juventude daquela – e de todas – época: questionaram e lutaram bravamente contra a repressão, a censura, a opressão, pela emancipação da sociedade da ditadura e de todas suas amarras.

Em um importante episódio, pouco antes da instauração do AI-5, no dia 5 de outubro de 1968, a FAFICH da Carangola foi sitiada pela Polícia Militar, que ao saber que uma reunião estudantil clandestina acontecia em seu subsolo, cercou a faculdade com o objetivo de prender 12 estudantes, tidos como lideranças. Nesse dia, uma forte resistência se formou naquela faculdade, com cerca de 600 estudantes e 90 professores que seguiram por horas dentro do prédio, jogando pedras na polícia e protegendo seus estudantes. Após horas de resistência dos estudantes e professores, acompanhada da negociação do diretor da faculdade na época com o regime, nenhum estudante foi preso e, ainda apreensivos, todos puderam se retirar do prédio. Os estudantes mais visados foram acobertados por professores e levados a locais seguros. Essa reunião clandestina prepararia a ida dos estudantes da UFMG ao 30º Congresso da UNE, na semana seguinte em Ibiúna/SP, que acabou na já conhecida emboscada dos militares e prisão de mais de mil estudantes.

...na “democracia”, a FAFICH da Pampulha sob intervenção

Voltemos alguns anos antes, para resgatar um pouco dos ataques que os estudantes da FAFICH vêm sofrendo na democracia.

Em 2008, a PM foi chamada ao campus para impedir a exibição do documentário Grass, sobre a legalização da maconha. Cerca de 50 policiais, com carros e até um helicóptero, cercaram o prédio do Instituto de Geociências (IGC), terminando com um estudante preso, além de outros feridos pela repressão.

Em 2012, o Centro Acadêmico da Filosofia (CAFCA), ainda sem gestão, foi fechado pela direção da faculdade. O ataque era contra vendedoras ambulantes do prédio e os estudantes que se colocavam ao lado delas. Os estudantes responderam, se organizaram em assembleia, abriram a porta e deram um claro recado de que não permitiriam que a diretoria decidisse pelo espaço que é dos estudantes.

Em 2013, em meio às grandes Jornadas de Junho, que em Belo Horizonte chegaram a reunir cerca de 120 mil pessoas nas ruas, a UFMG esteve fechada aos estudantes e à população que eram reprimidos pela polícia, e aberta às Forças Armadas do governo Dilma, que de dentro da universidade jogava suas bombas nos manifestantes que estavam na avenida.

Em 2014, a UFMG virou “território FIFA” e quase se transformou em base militar durante a realização da Copa, tentativa essa que foi barrada pelos estudantes, que se organizaram e construíram um dia de paralisação na FAFICH, com piquetes e aulas públicas, questionando esse papel reacionário que seria cumprido pela universidade, além de duas ocupações da reitoria nas semanas seguintes. Neste mesmo período, a Polícia Militar chegou a ir ao CAFCA ameaçar estudantes que realizariam uma manifestação contra o aumento das passagens em frente à universidade.

Agora, chegamos a 2015, mais precisamente na semana passada, quando o jornal Estado de Minas, junto a outras grandes mídias, fizeram sua ofensiva, como já denunciamos aqui. A mídia burguesa, a diretoria e um setor de professores denunciaram de maneira racista e reacionária a presença do tráfico de drogas no DA-FAFICH, dizendo ser devido à frequentação de jovens “de fora” da comunidade acadêmica – ou seja, jovens negros, das periferias ao redor da UFMG, muitas vezes filhos de trabalhadoras e trabalhadores terceirizados da universidade, a quem já lhes foi negado o acesso ao ensino superior, à cultura, a espaços de lazer. Frente a essa denúncia, a decisão tomada pela cúpula burocrática da FAFICH, reunida em congregação extraordinária, apenas aprofunda o ataque, decidindo pelo fechamento do DA, proibindo festas, aumentando a segurança no prédio – com o claro objetivo de negar a entrada dos jovens “de fora” ao espaço da universidade – e colocando todos os Centros Acadêmicos sob intervenção da diretoria.

Ou seja, chegamos a 2015, a 51 anos do Golpe de 64, e a atuação da diretoria da FAFICH, sob o comando do diretor Fernando Filgueiras, vai fechar um espaço estudantil, que não por acaso leva justamente o nome de Idalísio Soares Aranha Filho, estudante ex-diretor do DA, morto na ditadura pelas mãos dos militares.

A ditadura e suas heranças seguem

As heranças da ditadura militar estão para além de episódios absurdos como este. Ainda seguem muito enraizadas na universidade. A própria estrutura de poder na qual se organiza ainda é a mesma desde a Reforma Universitária de 1968, que buscou fazer mudanças na estrutura universitária com base em repressão política e ideológica. Essa estrutura das universidades permite com que decisões como a da Congregação, por exemplo, sejam facilmente aprovadas, pois seu Estatuto é tão arcaico que ainda não chegou nem mesmo à revolução francesa de 1789, não conheceu os preceitos mais básicos da democracia: que cada membro de uma comunidade tem o direito a um voto de igual peso nos espaços de decisão sobre a comunidade. Os espaços deliberativos “oficiais” seguem mantendo os professores com 70% de peso de decisão, enquanto estudantes e funcionários dividem os 30% restantes. Foi essa reforma de 1968 que determinou que os reitores das universidades federais seriam escolhidos pelo presidente, o que segue até hoje. Algo típico de uma ditadura, que faz de tudo para que sua burocracia controle todas as decisões, mas que segue vigente 30 anos após seu final e sua transição pactuada para a democracia burguesa. O vestibular eliminatório, elitista, que divide a juventude entre os “de dentro” e os “de fora” da comunidade acadêmica, deixando de fora os jovens negros, os filhos dos trabalhadores, também é herança dessa reforma feita pela ditadura militar.

No cenário nacional, sabemos que essas heranças não podem ter fim enquanto não se questionar o que significou a Lei da Anistia que perdoou torturadores, cuja a Comissão Nacional da Verdade em momento algum se propôs a questionar. Os torturadores seguem soltos vivendo suas vidas (ou morrendo impunes e de consciência tranquila), com cargos nos altos escalões do Estado, com seus nomes em ruas e até mesmo recebendo homenagens nas universidades. O governo PT, há 12 anos no poder, segue lavando a cara dos torturadores, e abrindo espaço para que as heranças da ditadura se mantenham, como vimos hoje, por exemplo, na forte militarização que segue no Complexo do Alemão no Rio de Janeiro, onde a polícia matou essa semana uma criança de 10 anos.

A direção da UFMG e da FAFICH, alinhadas politicamente ao PT, não foram capazes de responder à política de setores da direita que se pronunciam desde a grande mídia, senão com mais ataques aos estudantes e seus espaços sociais e políticos.

Retomar na FAFICH da Pampulha a antiga FAFICH da Carangola!

Os estudantes precisam retomar o seu papel histórico! A tradição de luta da FAFICH contra a ditadura militar deve seguir, questionando e combatendo suas heranças. Não podemos permitir que as diretorias e a Reitoria decidam sobre como e quando podemos utilizar os espaços da universidade, que é pública, assim como são os espaços estudantis, que possuem autonomia como tais! O DA-FAFICH foi abandonado pelas últimas gestões, sendo a atual alinhada ao governismo petista no movimento estudantil. Esta entidade tem que voltar a cumprir o papel de organizador dos estudantes para combaterem o caráter antidemocrático da universidade. É preciso entidades estudantis militantes, que questionem a fundo a estrutura de poder da universidade e lutem pelo fim dos espaços antidemocráticos de decisão. É preciso acabar com a Congregação e o Conselho Universitário, e estabelecer novos fóruns de decisão da comunidade acadêmica, onde cada membro tenha direito a um voto de igual peso aos demais, para discutir qual o melhor regime e governo universitário, uma estatuinte realmente democrática e soberana na universidade. Para democraticamente colocar a universidade a serviço dos trabalhadores e do povo explorado e oprimido.




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias