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ROSA PARKS | 60 anos da atitude histórica de Rosa Parks: a intenção por trás do mito de passividade

Há 60 anos atrás, em 1º de dezembro de 1955, por volta do fim da tarde, Rosa Parks decidiria sentar no banco de um branco no ônibus segregado de Montgomery.

quarta-feira 2 de dezembro de 2015 | 01:41

Ameaçada de prisão pela atitude, Rosa Parks manteve-se calada, corajosamente sentada naquela cadeira, apesar dos insultos racistas e das agressões físicas e verbais das quais foi vítima. Esse artigo dedica-se a lembrar os fatos que levaram a esse dia, os consequentes dele e, urgentemente, mostrar que Rosa Parks não era apenas uma costureira cansada.

Um anjo de Montgomery

Na primeira que ouvi falar de Rosa Parks me apaixonei por ela. Hoje, ao escrever esse artigo, lembrei da música “Angel from Montgomery” (, que por alguns motivos me faz pensar muito na história dela. Rosa Parks era uma costureira residente da cidade de Montgomery, no estado do Alabama, ao sul dos EUA. A música diz “meu pai é outra criança que envelheceu cedo demais”.

O Alabama ficou marcada na história dos EUA, junto aos outros estados do sul como Georgia, Mississipi e Luisiana, como palcos das maiores crueldades cometidas contra negros nos EUA, tanto no período da escravidão quanto posteriormente. Muito provavelmente, apesar de não encontrar informações sobre seus pais, Rosa Parks vem de uma família muito parecida com a família negra brasileira, que após anos de escravidão e uma falsa “abolição”, se vêm obrigados a ocupar as posições de trabalho mais precárias desde os primeiros anos de vida.

No momento em que Rosa Parks completava seus 42 anos, assim como a música diz, “sua velha casa poderia ter sido incendiada”, pois numa intensa política de reação, a elite branca norte-americana vinha, desde os fins da guerra civil, praticando todo tipo de ação racista para mostrar aos negros o lugar que viam para eles na sociedade. O KKK (KuKluxKlan), que havia vivido sua nova onda – a mais forte delas – com uma organização racista e fundamentalista que chegou a cerca de 5 milhões de membros nas décadas de 20 e 30, passou essas décadas enforcando negros, judeus e católicos, queimando casas e igrejas, e no momento em que Rosa Parks senta no banco do branco, a KKK entrava em decadência não por haver perdido uma batalha racial, mas por ter conseguido inserir sua política racista dentro do regime.

Isso porque as leis Jim Crow, instaladas para suprimir os direitos conquistados pelos negros que participaram da guerra civil e assim tornaram-se libertos, seguiam firmes e fortes, e o Estado norte-americano dirigido naquele momento por Eisenhower fazia de tudo para contornar o movimento que surgia sem tocar nas leis, que em última instância garantiam a manutenção de um estado permanente de violência legalizada contra os negros.

Rosa Parks, ao sentar no banco do branco, fez muito mais do que assumir seu cansaço. Acendeu um lume para o movimento civil de luta contra o racismo.

Por trás do mito da passividade

É de praxe que a historiografia racista insista em dizer que os negros jamais se revoltaram contra sua condição de opressão, e para isso usam milhares de justificativas para explicar as gritantes revoltas que compõem nossa história.

No caso de Rosa Parks, que além de negra era mulher, a tentativa de enfraquecer seu legado é ainda maior, e ainda que a historiografia oficial seja forçada a assumir que sua atitude serviu como estopim, insiste no discurso de que ela assim o fez por “cansaço”, como se tivesse decidido sentar no banco devido a um dia de estresse no trabalho.

Os créditos, portanto, do ascenso do movimento negro naquele momento ficam nas mãos de Martim Luther King. Rosa Parks, ao contrário de uma costureira passiva, é componente do movimento pelos direitos civis, e toma a decisão de sentar no banco como parte de uma concepção de resistência contra o racismo do movimento que voluntariamente fazia parte. Sua atitude foi uma ação organizada e muito bem planejada, que previa a possibilidade de que um ascenso pudesse vir como consequência. E assim o foi.

Na noite em que Rosa Parks é presa, o seguinte panfleto circula pela cidade: "Outra mulher foi presa e jogada na cadeia porque se recusou a levantar-se de seu lugar no ônibus para que um branco se sentasse. (...) Os negros também têm direitos e se os negros não andarem de ônibus, eles não poderão operar. Três quartos dos usuários são negros e ainda que sejamos presos ou tenhamos de ficar de pé com bancos vazios. Se nada fizermos para parar com essas prisões, elas continuarão. (...) Nós estamos, desta forma, pedindo a cada negro para não entrar nos ônibus na segunda em protesto pela prisão e pelo julgamento. Não andem nos ônibus para trabalhar, para ir à cidade, para ir à escola ou para qualquer coisa na segunda-feira. Vocês podem se dar ao luxo de não ir à escola por um dia se não tiverem outros meios de ir que não por ônibus. Você também pode deixar de ir à cidade por um dia. Se você trabalha, pegue um táxi ou caminhe. Mas por favor, crianças e adultos, não andem de ônibus na segunda. Não andem em nenhum ônibus na segunda."

Depois do dia 1º de dezembro de 1955, a cidade de Montgomery viu centenas de ônibus serem desocupados, com taxistas negros apoiando o movimento oferecendo viagens pelo valor da tarifa do transporte coletivo. O movimento que ficou conhecido como “Boicote aos ônibus de Montgomery” foi a ponta de lance do movimento por direitos civis de que mais se ouve falar até os dias de hoje. No dia 4 de junho de 1956 a vara federal local é obrigada pela pressão das massas a considerar as leis de segregação do Alabama inconstitucionais, e apenas por isso já poderia ser saudado. Mas a vitória dos movimento não significa que eles não tivessem problemas.

Os limites da estratégia de ocupação no movimento civil da década de 1950

A estratégia desse movimento – que pode ser vista em muitos filmes que andam saindo recentemente, como “O Mordomo da Casa Branca”, ou “Selma” – consistia em escancarar a injustiça das leis Jim Crow pela via de atitudes de ocupação dos espaços, gerando o conflito e se abstendo do uso da violência.

O problema dessa estratégia se comprova no fato de que, apesar de uma série de leis segregacionistas terem caído em diversos estados, a situação dos negros continuou quase que absolutamente igual, levando a que os próprios setores que faziam experiência com esse movimento se vissem obrigados a optar por estratégias que contassem com o uso da violência. Esse foi o caso do próprio King, que quando se aproxima de uma visão mais classista e de maior enfrentamento físico, é assassinado aos 39 anos em Memphis, Tenessee, momentos antes de uma marcha que sairia na cidade. A política de King de ligar-se a setores de massas em lugar das ações isoladas certamente denotou maior perigo a essa importante figura do movimento negro, levando a que sua morte se tornasse iminente.

Na mesma época da morte de King, o movimento negro avança em suas experiências, chegando a importantes conclusões que levam a conformação de grupos como o Partido dos Panteras Negras, onde a necessidade do uso da violência para a auto-defesa e a importância da luta dos negros ao lado dos trabalhadores torna-se norte, em profundo ceticismo com a capacidade do Estado burguês de resolver qualquer uma das necessidades mais sentidas pelos negros.

No dia de hoje, a coragem e a organização de Rosa Parks devem ser lembradas e reivindicadas, assim como as lições do movimento negro cristalizada no Partido dos Panteras Negras. Não por um prestigismo histórico, mas pela necessidade de que essas batalhas sigam se dando de maneira mais dura e mais decidida contra o capitalismo e seus falsos representantes dos negros, que como Barack Obama, se inflam com o discurso de que “nós podemos” para ganhar as eleições enquanto aumenta a população carcerária (em sua esmagadora maioria negra), massacra nossos irmãos de classe em dezenas de países espalhados pelo globo, reprime aqueles que lutam contra a polícia assassina em Baltimore e Ferguson e anda de mãos dadas com os empresários e bancários garantindo a manutenção do trabalho precário, o aumento do desemprego e o aprofundamento da carestia de via.




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