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POLÍTICA NACIONAL | 5 questões para entender a situação política brasileira

As delações de Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, causaram abalos consideráveis no edifício golpista. Resultaram na queda de três ministros, e colocaram o próprio Temer na mira. A crescente rivalidade entre o procurador geral da República, Rodrigo Janot, e o presidente do Senado Renan Calheiros (que disse ontem “sou Dilma”) embaralham as possibilidades de que a votação no Senado seja favorável a um retorno da petista (os senadores que declararam votar contra Dilma não conseguem somar 40 até agora, sendo necessários 54 para aprovação do impeachment.

Leandro LanfrediRio de Janeiro | @leandrolanfrdi

sexta-feira 17 de junho de 2016 | Edição do dia

1. Temer e a busca de estabilidade com as mãos do “mercado”, os limites desta operação

Temer foi colocado no poder por uma frente golpista que envolvia múltiplos atores, cada um com uma agenda própria, poucas coisas os uniam. Basicamente, retirar Dilma e promover um governo com ajustes mais duros e rápidos do que Dilma vinha implementando. A economia e os ataques aos trabalhadores podem ser a fortaleza deste governo que sofre ataques diários na frente política com os escândalos de corrupção da Lava Jato atingindo seus ministros e inclusive a si mesmo.

Essas dificuldades reabrem as divergências desta frente e colocam elementos de maior instabilidade política no país.

As primeiras semanas, especialmente com a aprovação de pacote bilionário de reajustes para o judiciário e toda casta política lhe rendeu duras críticas. Não estava cumprindo com sua missão.

Porém, a proposta de teto nos gastos públicos de acordo com a inflação e a divulgação de resultados da economia que mostram algum nível de atenuação da recessão deixaram os empresários menos afoitos. Toda a imprensa e a patronal se esforçam conscientemente a enfatizar dados positivos e inflá-los. A FIESP se prontificou a lhe dar apoio, mesmo que repetindo que quer a agenda dos ajustes implementada. O Estado de São Paulo fez editorial falando que os avanços na economia só poderão acontecer com a estabilidade do governo. E no dia de hoje (17/06) fez novo editorial falando que pode ser que seja corrupto, mas como a denúncia de Machado refere-se a um período anterior ao mandato não pode ser cassado, e que a tarefa na economia é mais importante. Isso que a retirada de Dilma, era, segundo a pena do mesmo editorial, uma tarefa saneadora da moral pública...

Um dos principais resultados que Temer tem a mostrar foi iniciado sob Dilma e ele colhe os frutos, é um importante avanço na taxa de exploração dos trabalhadores. Com a inflação, desvalorização do real, aumento do desemprego e rotatividade no trabalho, o salário médio dos brasileiros já caiu cerca de 17% em dólar. As empresas exportadoras agradecem, seus lucros aumentam rapidamente. Se o cenário da economia mundial persistir, as commodities seguirem uma tendência de revalorização e os EUA não aumentar suas taxas de juros (ou seja, permanecerem ativos os fluxos de capitais ao Brasil) é possível que estes resultados específicos do mês se estendam, atenuando a pressa de ataques da patronal, sem com isto atenuar os cortes na saúde e educação e aumento do desemprego.

Por outro lado, a perspectiva do “Brexit” (saída do Reino Unido da União Europeia) a ser votada na semana que vem estremece os mercados financeiros e representa, como “evento organizado”, o fator político mais importante e instabilizador para a situação mundial. Cerca de 55% da população se diz favorável à saída, segundo última enquete.

Por isso, não se podem descartar cenários internacionais mais conturbados e seus efeitos desagregadores na economia e política nacional. Mas no dia de hoje esta é a única praia que tem algum sol para Temer. E não é, mesmo assim, suficiente para lhe aquecer pois as denúncias de corrupção não param e a necessidade de votar ajustes ao mesmo tempo que espera a votação final do impeachment lhe coloca entre a espada do “mercado” e a “parede” da maioria de dois terços no senado. A modo de exemplo, não pode votar alguma medida que desagrade um senador ou sua base eleitoral sob pena de perder seu voto (a própria votação do teto nos gastos é incerta). Precisa agradar o mercado sem arriscar a maioria, e sua conta pende por poucos senadores, menos de 5. Ou seja, mesmo a economia que atua como fonte para um cenário de estabilização do governo golpista de Temer oferece riscos e limites seja na sua relação com a economia mundial, seja nas consequências políticas de suas ações.

A última coisa que seu governo sem nenhuma legitimidade, sob mira de atores da Lava Jato, quer é uma pressão do “mercado” para sua destituição para que pela via das urnas assuma um ajustador mais duro que ele.

2. Divisão e instabilidade na frente golpista

A frente golpista uniu interesses díspares. Dos caciques do PMDB, às diferentes alas tucanas, à mídia e boa parte do judiciário. Cada um destes atores propunha saídas diferentes para a crise. Aécio Neves defendia novas eleições através da cassação da chapa via TSE, proposta similar a que era feita pela Folha de São Paulo. Serra, com menores chances em uma eleição direta, primeiro de conseguir maioria no tucanato, segundo nas urnas, preferia alguma solução indireta como um chamado “semi-parlamentarismo” (que significa na prática afastar Temer em 2017 e que o novo presidente seja eleito pelo Congresso). Da grande mídia, o Estado de São Paulo era o mais enfático na defesa do impeachment.

No judiciário, depois de todas alas atuarem como avalistas do golpe, deixando que a decisão de Gilmar Mendes impedindo a posse de Lula como ministro vigorasse, apesar do absurdo inconstitucional da medida já que sequer julgado havia sido, agora há claros sinais de divisão.

Gilmar Mendes já declarou que não vê crime algum de Jucá nas gravações e atuou sistematicamente para impedir até mesmo que o campeão de citações na Lava Jato, o tucano Aécio, fosse investigado. Janot, procurador geral da República lhe criticou duramente sobre isso e conseguiu abrir os inquéritos. Momento seguinte o mesmo “inquisidor” exigiu a prisão de 4 caciques do PMDB (Cunha, Renan, Sarney e Jucá). Teori Zavascki, relator da Lava Jato no STF, negou os pedidos de prisão, mas no dia seguinte jogou gasolina na fogueira liberando o texto completo da explosiva delação de Sérgio Machado, que derrubou o terceiro ministro.

Em resumo, há alas que trabalham pela impunidade geral pós-golpe (Gilmar Mendes), outras que querem uma linha dura (Janot) e uma terceira de Teori que busca seguir o trabalho de demolição dos partidos do regime e do governo Temer sem com isto colocar muita gente atrás das grades. Esta linha de Teori combina-se mais com o editorial do Globo de hoje, que fala na “refundação do sistema político” pela ação do judiciário e pressão popular.

Se já havia divergência de interesses prévios ao golpe a própria ação de cada ator da frente golpista gera maior instabilidade. Entre os interesses de seguir com a Lava Jato ou acabar com ela, de estabilizar ou não Temer, de mudar o sistema partidário, promover novas eleições e atritos que suas próprias ações geram, as divergências se multiplicam.

Exemplo máximo está no pedido de prisão de Renan Calheiros por Janot, e a resposta do presidente do Senado que é estudar como abrir um processo de impeachment do Procurador Geral da República. Além de interesses díspares na condução do golpe e da Lava Jato, ensaiam abrir uma crise institucional ainda mais forte colocando Temer na linha de fogo, acusado por Machado de pedir propina para a campanha de Gabriel Chalita do PMDB em 2012 para a prefeitura de São Paulo.

3. Quanto mais Lava Jato mais imprevisibilidade

A Lava Jato depois de ter contribuído para conduzir Temer ao poder agora está seguindo uma trilha que gera maiores instabilidades. Ao trazer à tona denúncias contra todos partidos do regime político. Longe de significar um combate à corrupção e um ressarcimento dos bilhões afanados dos cofres públicos, cada delator está conseguindo devolver uma fatia do que declara que levou, indicar nomes e cumprir uma leve prisão em sua mansão.

Agora que a Lava Jato avança contra o PMDB e até mesmo setores do PSDB, não há mais uma crítica a mesma que venha do PT e da blogosfera ligada ao mesmo. Todos batem palma para este fortalecimento de um braço arbitrário e repressivo do Estado brasileiro desde que atinja adversários.

Esta posição já tinha um forte eco na esquerda nacional com figuras como Luciana Genro reivindicando “Lava Jato até o final” e, o PSTU comemorando cada ação de Janot como se fosse um passo de seu “Fora Todos” e não o fortalecimento do Estado capitalista e seu arbítrio, que cedo ou tarde se volta contra os trabalhadores. Como parte de sua política majoritária a CSP-Conlutas, a central que cumpriu papel funcional ao golpe da direita agora ameaça quem quer “deter a Lava Jato” em seus cartazes, desarmando os trabalhadores estrategicamente a levantar uma política independente das instituições do Estado capitalista.

Mesmo com esta possível e razoavelmente previsível garantia de impunidade na Lava Jato, que atualizará os modos da “Mãos limpas italiana”: acabou com os dois principais partidos do regime, conteve a luta de classes através do Partido Comunista Italiano nos limites de democracia burguesa degradada, resultou em 2500 condenações, mas somente 4 (!!!) prisões. Mesmo um caminho como este seria um imenso terremoto no regime político brasileiro. E cada ação da Lava Jato empurra o regime político a estar mais aberto a outsiders. Os próprios conflitos entre os membros do “partido judiciário” e dos partidos da “mídia”, fazem cada ator uma ilha, em conflito com as outras.

A continuidade destas tendências pode abrir caminho a Bolsonaro, Marina Silva ou Ciro Gomes, ou até mesmo Janot e Moro, alguém que se postule “de fora” e seja funcional para erguer um regime, avalizado pelo judiciário, que substitua os atuais modelos de corrupção por outros, mais funcionais ao imperialismo (que treinou Moro e diversos membros da procuradoria como denunciado no Wikileaks).

4. Crescem as chances do retorno de Dilma, para seguir a conciliação com a Direita e empresários

Em meio as desinteligências da frente golpista sem ser ainda a probabilidade maior, retomam as chances de Dilma retornar ao poder. Esta chance se daria pela via de Temer perder sua maioria de dois terços no Senado. Tentando atrair esta base de senadores, Dilma, Lula e emissários realizam diversas reuniões. Além disso, em entrevistas Dilma tem sinalizado que voltaria ao poder para convocar alguma forma de participação que envolvesse o sufrágio popular, seja novas eleições ou um plebiscito para decidir a continuidade ou não no cargo.

Tal como fizeram em todos seus anos de governo, como tentaram freneticamente frente a votação do impeachment na Câmara, a estratégia petista é do conchavo. Da conciliação de classes com a patronal e a direita. Querem convencer parlamentares de direita, empresários, que podem ser um caminho mais seguro para que o país passe por novas eleições, e por esta via conseguir um novo ajustador, respaldado pelas urnas, para implementar os ataques.

É sintomática desta estratégia de conciliação o verdadeiro fiasco de “luta contra o golpe” promovido pela CUT e CTB. Implementam nos locais de trabalho os dizeres de Lula, “não incendiar o país”, promovendo, se tanto, dias mensais de “resistência” para constar, enquanto não tomam uma medida de apoio às lutas que acontecem, como as da juventude e trabalhadores das universidades estaduais paulistas, que na USP se enfrenta contra a repressão, dos professores no Rio e Rio Grande do Sul. Isolam, fragmentam, silenciam e derrotam as lutas, sendo um dos pilares dos ajustes dos golpistas. São o freio para não resistir às demissões na indústria, a não lutar ativamente contra a privatização da Petrobras, a não desenvolver uma verdadeira batalha para trazer abaixo o golpista Temer.

5. Basta de métodos de conciliação com a direita e os empresários por parte do PT! Um programa independente para o país passa por atacar os capitalistas e seus políticos

A dureza burocrática das centrais sindicais petistas contra a organização dos trabalhadores é a contracara do “pacifismo com responsabilidade” de Lula aos empresários, aos parlamentares, aos magistrados e juízes golpistas. A burocracia sindical petista (a CUT e a CTB) compõe um dos principais pilares de sustentação dos ataques aos direitos trabalhistas, previdenciários e orçamentários, desde uma posição não-golpista e discursivamente oposta a Temer.

A única forma de derrotar estes ataques é cercando de solidariedade as lutas em curso e, como na França, confiar nas forças do movimento operário unificado com a juventude.

O que suas centrais calam, é o que deveríamos questionar para levantar um plano de emergência contra a crise. É preciso impedir as demissões e a redução salarial. Toda empresa que alegue falta de verbas para manter salários e empregos deve abrir sua contabilidade para mostrar aonde foi o dinheiro que lucrou. Contra a inflação e o desemprego que aumentam a taxa de mais valia absoluta extraída pela patronal, deve-se levantar escala móvel de salários e de horas de trabalho, reduzindo a jornada sem redução salarial, ocupando todos os que estão aptos ao trabalho. As que ameacem fechar ou demitir em massa, precisam ser ocupadas e postas a produzir sob controle operário, sob responsabilidade do Estado que garanta matérias primas. Estas medidas anticapitalistas, de autodefesa dos trabalhadores, exigem naturalmente um choque com o regime político dos capitalistas; por isso, foram “esquecidas” pelo PT.

Dilma quer uma repactuação do pacto de 88 com esta mesma direita, chamando o povo a participar da mesma com um mero sim ou não em um plebiscito. Ao contrário disso, uma nova Constituinte, Livre e Soberana, como debatemos aqui e [aqui - > http://www.esquerdadiario.com.br/A-Assembleia-Constituinte-dentro-do-programa-dos-revolucionarios], imposta pela luta dos trabalhadores deve atacar este pacto tutelado pelos militares e defender os direitos, exigindo que todos os juízes sejam eleitos, revogáveis e recebam o mesmo salário de uma professora, e o mesmo para os políticos de alto escalão, que elimine o pagamento da dívida pública e estatize sob controle operário as empresas públicas estratégicas, que faça os capitalistas pagarem pela crise, expulse o imperialismo e contribua para que os trabalhadores vejam os limites de qualquer “democracia” convivendo com a FIESP, com os ruralistas com as bancadas das Igreja e passem a defender uma forma superior de governo, um governo dos trabalhadores anticapitalista.




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