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5 pontos para entender as eleições de meio de mandato nos EUA

Os Democratas ganharam a maioria da câmara, mas algumas derrotas importantes mancharam os resultados eleitorais. As grandes protagonistas: mulheres negras, latinas e árabes.

Juan Cruz FerreLeft Voice, EUA

quinta-feira 8 de novembro de 2018 | Edição do dia

Imagem: Al Jazeera

Como explicamos em um artigo anterior, as eleições de meio de mandato foram marcadas por uma crescente polarização e por tensões raciais (quando não por racismo escancarado). Na reta final da campanha, o presidente Donald Trump e Barack Obama emergiram como figuras proeminentes em cada um dos partidos, tentando consolidar suas bases e aumentar seu apoio.

1. A onda azul encontra o movimento #MeToo

Os resultados preliminares mostram um partido Democrata que ganhou a maioria na Câmara dos Deputados: com 219 cadeiras asseguradas, conseguiram quebrar a marca de 218 que lhes daria a maioria, e quando os últimos votos forem contados, eles terão conquistado cerca de 225 cadeiras (um aumento de mais de 30). Como esperado, os republicanos mantiveram a maioria no Senado.

20 dos distritos congressionais que foram alcançados até agora pelos democratas são de subúrbios e têm uma proporção acima da média de pessoas com ensino superior. Dos candidatos vencedores pelos democratas, muitos são mulheres, especialmente em alguns distritos como o 7º Distrito Congressional da Virgínia, onde Abigail Spanberger derrotou Dave Bratt (um republicano que se fortaleceu apoiado pelo Tea Party, ganhando notoriedade nas primárias de 2014 quando enfrentou Eric Cantor — então líder da maioria na Câmara).

Além disso, as mulheres estão entre os candidatos democratas com os programas mais progressistas, e estão tendo ganhos históricos na representação das mulheres. Alexandria Ocasio-Cortez (Nova York, distrito 14), que se declara socialista, filha de porto-riquenhos do Queens, será a mulher mais nova a ocupar uma cadeira no Congresso. Ayanna Pressley será a primeira mulher negra a representar o 7º Distrito Congressional de Massachusetts. Rashida Tlaib de Michigan e Ilhan Omar em Minnesota se tornaram as primeiras muçulmanas eleitas para o Congresso. Então as mulheres negras, latinas e árabes foram um dos atores proeminentes dessas eleições, e ela literalmente mudaram a cara do Partido Democrata.

2. Sem surpresas no Senado

O Senado teve poucas surpresas. Beto O’Rourke quebrou os recordes de financiamentos na sua disputa contra (o amplamente repudiado) Ted Cruz, mas perdeu por pouco a disputa. Foi uma batalha contra a corrente no “Texas vermelho” [referência à cor do Partido Republicano], em que O’Rourke fez uma campanha progressista. A margem de 2%, entretanto, mostra uma disputa extremamente apertada e parece mostrar a lenta transformação do Texas em um swing state [estados onde qualquer um dos partidos podem vencer].

Os democratas perderam mais 3 cadeiras no Senado. A derrota de Heidi Heitkamp na Dakota do Norte foi esperada pela maioria desde que ela teve que decidir sobre a confirmação de Brett Kavanaugh. Ela primeiramente o apoiou, depois se opôs a ele baseada nas pesquisas para o Senado. A verdade é que como senadora de um estado conservador, ela estava em com um problema duplo: apoiar Kavanaugh fez com que ela perdesse boa parte da base democrata e progressista. Ela então decidiu se opor a ele e perdeu a ala direita da sua base de votantes, que tinham votado nela pelas suas propostas conservadoras. Joe Donnelly é outro exemplo de um “blue-dog Democrat” [democratas conservadores, que se alinham muitas vezes aos republicanos] que se embandeirou do seu apoio ao muro de Trump e ao cortes de Bush, mas perdeu a cadeira para o republicano Mike Braun. Essas derrotas de candidatos democratas tentando manter suas cadeiras mostrando seu pedigree conservador pode ser um aviso ao establishment do Partido Democrata.

3. Disputas para governador e questão negra

Algumas disputas para governador atraíram muita atenção. Andrew Gillum e Stacey Abrams eram grandes promessas “democratas” do sul, ambos candidatos afro-americanos progressistas concorrendo para serem os primeiros governadores negros da história de seus estados. Em ambos casos, enfrentaram republicanos brancos que destilam racismo de forma mais ou menos explícita. A campanha de Ron DeSantis contra Gillum centrou-se em mostrar o republicano o mais próximo possível a Trump, que, por sua vez, o apoiou fortemente durante a campanha.

Uma vitória democrata em qualquer uma dessas disputas teria sido uma forte derrota para os republicanos e para Trump no caso da Flórida. Tanto Gillum quanto Abrams perderam por pequenas margens (ainda que Abrams ainda não admitiu e pode haver um segundo turno).

Ainda que os democratas não tenham conseguido alcançar essas conquistas excepcionais, conseguiram eleger governadores em 5 estados que eram governados pelos republicanos: Maine, Michigan, Ilinóis, Kansas e Novo México. Perto da meia noite do dia da eleição, Tom Perez disse na NBC que os democratas tinham alcançado 5 legislaturas nos estados. Não é algo menor: a reconfiguração de distritos acontece após o censo, então é importante para os democratas (tem sido para os republicanos) ter controle das legislaturas dos estados em 2020, quando os resultados do próximo censo sairá.

4. Maconha vence, mulheres perdem

Houve vários referendos em vários estados. A maconha foi legalizada para uso recreativo em Michigan, e para uso medicinal em Missouri e Utah. A proposta para legalizar a maconha foi derrotada na Dakota do Norte. Na Flórida, a vitória da Emenda 4 permitirá que votem mais de um milhão de pessoas condenadas por algum crime anteriormente. A pergunta 3 em Massachusetts, para os votantes decidirem se se manteria o direitos das pessoas trans contra a discriminação em locais públicos, ganhou com 68% dos votos. A má notícia do dia: Alabama e Virginía do Oeste votaram em iniciativas "antiaborto", e tiveram mais de 50% dos votos. Esse resultado é em si problemático, mas ainda mais no contexto do movimento #MeToo e o aumento de mulheres candidatas. Em Oregon, entretanto, a proposta de banir financiamento público para realização de abortos foi derrotada.

5. O que vem agora?

Contudo e por tudo, os democratas tiveram uma boa noite, mas aquém de suas expectativas. A "onda azul" [cor do Partido Democrata] mais pareceu uma marola. As protagonistas da noite foram as mulheres, especialmente as negras, latinas e árabes. Isso pode ter implicações para a batalha de quem serão os candidatos democratas para 2020, para já que Elizabeth Warren é uma provável candidata.

No lado republicano, Trump renovou energia e apoio dentro do Partido Republicano como um líder do partido que evitou uma catástrofe no Congresso. As eleições de meio de mandato acabaram, a corrida para 2020 começa. A lenta economia foi um fator decisivo para eleger Donald Trump, e seu crescimento sustentado nos primeiros dois anos do seu governo ajudou os republicanos. A situação poderia mudar dramaticamente até 2020 se encontrarmos problemas ou, como muitos economistas esperam, uma desaceleração econômica mais profunda. A possível paralisia no Congresso não ajudará Trump, mas pode ser um poderoso bode expiatório para uma base que só escuta o que diz a Fox News [grande mídia apoiadora de Trump]. Os democratas, enquanto isso, também terão um papel a cumprir nos próximos dois anos. Se quiserem manter sua base entusiasmada e atrair mais jovens votantes, terão que cumprir algumas de suas promessas — especialmente organizando uma luta real por uma reforma abrangente do sistema de saúde. O resultado da batalha dentro do partido entre a velha guarda liderada por Nancy Pelosi e a nova geração de democratas progressistas determinará o quanto eles conseguirão manter uma parte de sua base votante que claramente está à esquerda do programa democrata.




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