×

RELATO | 2º Grande Ato contra a Tarifa: A Emboscada

Relato do manifestante Luiz Roque Miranda Cardia, 25 anos, estudante de Direito no Mackenzie, sobre a repressão ao 2º ato contra o aumento do transporte em SP.

quarta-feira 13 de janeiro de 2016 | 02:00

Foto: Eduardo Anezelli/Folhapress

Eu já vi muita violência policial de perto, nos estádios ou em manifestações. Mas até hoje eu nunca tinha sido cercado numa emboscada dessa forma.

Barreiras policiais por todos os cantos. A Praça do Ciclista na esquina da Paulista com a Consolação estava completamente cercada. Não havia como voltar sentido Brigadeiro, nem como acessar as ruas laterais como Bela Cintra ou Haddock Lobo. A Av. Rebouças estava sitiada pela Tropa de Choque, e dois cordões de policiais cercavam os manifestantes na Consolação.

As notícias que eu recebia de amigos no whatsapp era: República completamente ocupada pela PM. Na Consolação, um enorme contingente de viaturas em toda a avenida, e as ruas laterais também todas fechadas por barreiras policiais. E ainda, uma amiga comenta que a avisaram que a Cavalaria estava na Alameda Santos.

Uma emboscada que parecia um caminho para o gado ir em direção ao matadouro na Praça da República. Era esse o plano da Polícia Militar. Mas o trajeto escolhido de antemão pelo Movimento Passe Livre era descer a Rebouças até o Largo da Batata. Diante da sólida barreira de policiais militares com suas armaduras pretas na Av. Rebouças, os manifestantes ousaram insistir no trajeto, afinal, é seu direito constitucional manifestar-se livremente. Estava dado o impasse.

Após alguns minutos de tensão, com a faixa da vanguarda do movimento postada cara a cara com a Tropa de Choque da PM, o destino desse 2° ato de 2016 estava selado.

Me afastei um pouco da barreira policial da Rebouças, indo em direção ao centro da Praça dos Ciclistas. Conversava com minha amiga que descer a Consolação era suicídio, mas na Paulista estávamos cercados. E logo... a primeira bomba.
Rapidamento o gás lacrimogêneo subiu, e começamos a tossir, os olhos ardendo muito e lacrimejando, o nariz fechado e escorrendo. As bombas pareciam nunca acabar, era uma chuva de artefatos fumegantes. A partir daí ficamos quase cegos, muita fumaça, e a respiração quase impossível.

A massa em pânico corre desesperadamente pela Paulista no sentido Brigadeiro, mas outra gigantesca barreira da PM nos esperava bem antes da esquina da Bela Cintra. O medo de não ter pra onde correr foi algo nunca tinha sentido antes.
Ficamos ziguezagueando pela Praça dos Ciclistas tentando fugir do gás infernal das bombas. Mas a multidão irracional se espremia nos prédios dos dois lados. Corremos pra um, voltamos, corremos pra outro.

Não havia como fugir.

A PM abre uma brecha apertada encostada numa parede da calçada. Muitas pessoas começaram a passar devagar com as mãos para cima, corremos naquela direção. Ainda bem que nesse momento consegui abrir mais os olhos e ver que logo aquela "brecha", havia se tornado um corredor polonês, e os cassetetes estalavam nas costas dos manifestantes, homens e mulheres. Imaginei e senti a dor, que lembro bem dos velhos Pacaembu e Morumbi, dos cassetetes em nossas costas se passassemos ali. Demos uns passos atrás.

O gás se torna insuportável. A barreira da PM sofre com o efeito de suas próprias bombas e começa a andar pra trás lentamente. Outra brecha maior aparece, corremos e passamos. Finalmente uma saída, Bela Cintra, os PMs se reagrupam em uma calçada, nós corremos por outra. Nossa rota de fuga foi a rua Frei Caneca, voltamos à Av. Paulista quase no Masp, longe da batalha campal. Mas ali ainda, os trabalhadores cobriam os olhos e os narizes, pois o gás se espalha rapidamente e vai a longas distâncias.

A Polícia é nossa inimiga. Não há outra palavra. É o braço armado do Estado e de quem o financia e lucra com o transporte e todos os serviços públicos que nada mais são do que mercadorias.

Não houve provocação, nem vandalismo, nem depredação, nada, não há "infiltrações que atrapalham quem quer se manifestar pacificamente", é tudo mais simples que isso, a Polícia Militar atacou a manifestação.

O movimento social decidiu um trajeto, e foi impedido com o uso da violência. O nome disso é repressão. O que aconteceu foi uma violação do nosso direito constitucional de manifestação. Porque só nós somos obrigados a respeitar o Direito, se o Estado não o faz?




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias