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MÚSICA | 1966 foi o ano do Rock:

Esse negócio de baixar músicas na internet, compartilhar arquivos e fazer com que uma quantidade incrível de canções caibam num celular, tem sido muito importante para o conhecimento e a circulação dos mais variados gêneros musicais. Porém, não se pode esquecer que o disco, ou mais especificamente o álbum, é um contexto fundamental para que as canções não se percam no ar feito jingles. A unidade estilística ou até mesmo uma proposta conceitual permitem que o álbum seja entendido como uma totalidade, tal como o livro, o filme e a pintura.

segunda-feira 30 de maio de 2016 | Edição do dia

Logicamente não podemos ignorar a histórica imposição técnica de ordem mercadológica que mora no disco: as necessidades comerciais que comandam novos processos de comunicação, estão presentes nos formatos de compra e venda de música. Entretanto, se o álbum possui a mesma condição de um enfeite de geladeira ou de uma caixa de sabão em pó, isto não retira as suas possibilidades estéticas de inovação e de crítica; e foram exatamente estes dois últimos aspectos que há 50 anos estiveram presentes no trabalho de bandas de rock, que assumiram o formato do álbum como meio para novas pesquisas e experiências sonoras.
Enquanto que muita gente de esquerda torcia o nariz para o rock, encarado geralmente como besteira de adolescente ou coisa de jovem alienado, a partir do ano de 1966 houve uma explosão criativa que alavancou o rock como expressão da revolta e da criatividade da juventude. A lista de álbuns que em 1966 fizeram com que o rock chutasse a boca do balão da cultura, é impressionante: Revolver, dos Beatles, Aftermath, dos Rolling Stones, Face to Face, dos Kinks, Fresh Cream, do Cream, Blonde on Blonde, de Bob Dylan, Pet Sounds, dos Beach Boys, Fifth Dimension, dos Byrds, Freak Out!, dos Mothers of Invention, e vários outros títulos revelavam que no rock a curtição, o experimentalismo e o aprimoramento musical coexistem numa boa.
No centro da ambiguidade comercial que sempre marcou o rock, observava-se durante a segunda metade dos anos 60 uma série de mutações: os limites entre o pop e a vanguarda foram abalados. Geograficamente a largada estética inovadora do rock foi dada na Inglaterra e nos EUA. Entretanto, o significado contestador do rock não se restringia a estes países: um curioso efeito internacional permitia uma espécie de sintonia entre jovens de várias regiões do planeta. O que havia de progressista nesta expansão musical, é que dialeticamente os meios de comunicação de massa possibilitavam a circulação de uma atitude rebelde, de enfrentamento quanto às tradições burguesas do ocidente. Quando colocado na vitrola, o disco apresentava novas texturas musicais por onde eram exteriorizadas cores, atmosferas elétricas e logo uma nova experiência corpórea que redefinia a maneira de estar e agir na realidade.
A estética do rock assimilava, por volta de 1966, novos elementos musicais que puderam se desenvolver plenamente nos estúdios. O horizonte eletrônico, as mais variadas possibilidades de distorção da guitarra, atmosferas oníricas, sons que provocam estranhamento, a utilização da música erudita, a inserção de instrumentos tidos como “ exóticos “ no contexto rockeiro tais como citara, marimba, harpa, etc; ou seja, ocorria uma ruptura com os limites da canção tal como ela era entendida no contexto pop. Todos estes elementos conferiam ousadia, resultavam em algo moderno e experimental que contrastava com as fórmulas simplificadoras da música que até então tocava no rádio.
Seria tudo isso parte de um fato musical revolucionário? Ainda que tais experiências musicais não sejam em boa parte expressão das lutas operárias, existe um fator de revolta que gera instabilidade nos costumes e na moral burguesa: o inconformismo juvenil revelava um posicionamento nada simpático quanto à continuidade de um mundo marcado pela repressão sexual, pelo racismo, pelas guerras imperialistas, etc. Ainda que o disco fosse um produto da indústria, várias bandas de rock acompanhavam o movimento internacional da juventude contestadora daquele momento. O caso dos Beatles talvez seja o mais ilustrativo: jovens e ricos, os quatro rapazes de Liverpool poderiam ter seguido o exemplo de Elvis Presley nos anos 60 : a banda poderia ter se acomodado ao sucesso, gravar discos previsíveis que continham um ou dois hits e encher o resto com linguiça. Mas os Beatles encarnaram as contradições da cultura de massa ao realizarem trabalhos experimentais/inovadores tais como o já mencionado Revolver e no ano seguinte, em 1967, o polêmico Sgt Pepper´s Lonely Hearts Club Band.
É importante entender que os álbuns de rock de 1966 em diante, transcenderam o espaço do comércio e chamaram a atenção de críticos e artistas de vanguarda. No Brasil, os concretistas Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari apontavam para a eficácia e a ousadia artística do rock; tanto que estiveram ao lado de Caetano Veloso e Gilberto Gil na cruzada tropicalista, ampliando esteticamente a música de contestação social realizada no Brasil. O crítico de arte brasileiro Mário Pedrosa, também chegou a fazer menções elogiosas a este estado contracultural, que brotava na juventude, quer dizer, "a novíssima geração de Beatles e dos hippies, que contudo preferem à arte, seja por que aspecto for, a própria vida, a ação coletiva e não mais o simples fazer individual".
Com tanta mesmice estética e tanto conservadorismo político presentes em vários rockeiros de hoje em dia, é sempre interessante lembrar que nos anos 60 o rock engendrou uma ousada/experimental trilha sonora para a revolta juvenil; e 1966 foi só o começo disso.


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