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DADAÍSMO | 100 anos do dadaísmo: uma revolta artística se inicia

Em 1916, um ano antes da Revolução Russa e há 100 anos atrás, nascia em Zurique, Suíça, o dadaísmo. Tristan Tzara, Marcel Janco, Hugo Ball, Hans Arp, Emmy Hennings e Huelsenbeck lançaram seu manifesto que pretendia revolucionar as artes desde sua raiz: a linguagem. Teatro, poesia, música, dança, artes plásticas e diversas experimentações inrrotuláveis ocuparam os espaços do Cabaret Voltaire na cidade de Zurique causando estranhamento, curiosidade ou até mesmo repulsa.

sábado 13 de fevereiro de 2016 | 00:00

Artistas de diferentes países, refugiados e exilados políticos se encontravam naquela cidade por ter sido uma região neutra durante a 1ª Guerra Mundial.

A destruição e a carnificina causadas pela primeira guerra imperialista (1914-1918) foram elementos que revoltaram a humanidade e também estavam nos panos de fundo da vanguarda dadaísta.

A utilização de elementos da modernidade como a fotografia, a tipografia, a publicidade, os recortes de jornais, as expressões urbanas, o progresso industrial e as relações capitalistas são constituintes do universo dadaísta. Negavam as categorias tradicionais da arte e a cultura burguesa subvertendo-as por meio do fazer anárquico e caótico.

Eram realizadas, por exemplo, apresentações teatrais com roupas cubistas, ao som de piano desafinado e pronunciando poemas fonéticos como: "gadji beri bimba glandridi laula lonni cadori” (de Hugo Ball).

Dadaísmo?!

“Uma palavra internacional. Apenas uma palavra e uma palavra como movimento. É simplesmente bestial. Ao fazer dela uma tendência da arte, é claro que vamos arranjar complicações. Psicologia Dadá, literatura Dadá, burguesia Dadá e vós, excelentíssimo poeta, que sempre poetastes com palavras, mas nunca a palavra propriamente dita. Guerra mundial”.

“Não queremos contar as janelas maravilhosas da elite, pois Dadá não está para ninguém e queremos que toda a gente compreenda isso. Aí é a varanda de Dadá, garanto-lhes. Dela podem ouvir-se as marchas militares, dela se pode descer, rasgando o ar como um serafim e ir mijar num urinol público e compreender a parábola.

Dadá não é nem loucura, nem sabedoria, nem ironia, olhe bem para mim, honesto burguês.

A arte era uma brincadeira, as crianças juntavam as palavras e punham campainhas no fim, e depois choravam e gritavam a estrofe e calçavam-lhes os botins das bonecas e a estrofe tornava-se rainha para morrer um pouco e a rainha tornava-se baleia e as crianças corriam até ficarem ofegantes”.

Os parágrafos acima são trechos de dois manifestos lançados em 1916 e podem ser acessados na íntegra aqui.

O dadaísmo foi uma espécie de antiarte (como os dadaístas diziam), ou seja, contra as convenções artísticas que doutrinavam as linguagens, contra a arte burguesa, contra o controle sob os artistas e por aí vai... Alguns dos que estavam em Zurique eram desertores do exército, como o próprio Hugo Ball que recusou o serviço militar na Alemanha em 1914, perseguidos políticos de várias estirpes ou mesmo viajantes.

Hungria, Romênia, França, Rússia, eram os países de origem de alguns dos que estavam em Zurique. Para além dos dadaístas, Vladimir Lênin e sua companheira Nadejda Konstantnovna Krupskaia também estavam exilados em Zurique e se encontravam nas redondezas do Cabaret Voltaire. Dizem que Lênin e Krupskai se encontraram com artistas dadá, mas não foi possível encontrar referências consistentes a respeito. Mas o que chama a atenção é que toda essa atmosfera de Zurique tem papel fundamental na reflexão artística das vanguardas. O que também nos demonstra que, apesar das experiências dadá se aproximarem do non sense e seus próprios fundadores afirmarem o caos, todos estavam acompanhando muito de perto os processos políticos e sociais da época e posteriormente muitos deles irão se engajar politicamente ou até mesmo se filiar à partidos comunistas na Alemanha e na França.

Zurique, por tanto, estava no centro de um dos maiores conflitos bélicos e global até então vistos. Não à toa, em 1916, Lenin estava escrevendo “Imperialismo, fase superior do capitalismo” - importante obra marxista revolucionária do período. E é de lá também que Lênin, Krupskaia e outros bolcheviques irão seguir no trem blindado em direção à Petrogrado depois do início da revolução russa.

Dadaísmo, surrealismo e engajamento político

Das experiências do dadaísmo surgirá o surrealismo que teve o francês André Breton como principal articulador. O surrealismo tomará com maior engajamento político o fazer artístico tendo inclusive seus integrantes filiados ao Partido Comunista Francês (PCF) antes da burocratização stalinista.

Em 1925, Breton escreve no primeiro manifesto surrealista:

“Há mais de um século a dignidade humana é rebaixada à categoria de valor de troca. Já é injusto, é monstruoso mesmo, que quem nada possui seja escravizado por quem possui, mas quando essa opressão ultrapassa o quadro de um simples salário a pagar e toma, por exemplo, a forma de uma escravidão que as altas finanças internacionais fazem incidir sobre os povos, é uma iniquidade que nenhum massacre poderá expiar”.

Posteriormente, a partir de diversos conflitos internos, André Breton irá declarar a adesão dos surrealistas ao materialismo dialético tendo inclusive criticado o PCF. Para saber mais sobre o surrealismo acesse “Os caminhos cruzados antes do Manifesto da FIARI (1938)”.

Também podemos dizer que os artistas Man Ray, Marcel Duchamp, Picabia, Raoul Hausmann, Marx Ernst, Kurt Schwitters, Luis Buñel entre outros, estavam em diálogo direto com as experimentações dadá e que a arte se revolucionou profundamente a partir destas experiências tão radicais.

Assim, As experiências dadaístas deram início à uma série de convulsões artísticas e mesclou diferentes linguagens até então pouco experimentadas, ou pelo menos, não de forma tão expressiva. Outras vanguardas como cubismo, expressionismo e futurismo eram combinadas, diluídas e agitadas no olho do furacão da primeira guerra imperialista. As divergências internas eram intensas, contraditórias e os conflitos com a política da época foram sendo levadas à diferentes caminhos.

O debate em torno da autonomia artística em relação aos partidos políticos será aprofundados nos anos seguintes. A burocratização da União Soviética colocará os artistas na mira dos rifles stalinistas e dentro deste covil surgirá o “realismo socialista”, a arte oficial do regime stalinista. Quem não produzir de acordo será fuzilado! Sobre esse debate acesse “O realismo socialista revisitado – parte I (os precedentes históricos)”.

Em 1938, Breton e Trotsky irão redigir o Manifesto da FIARI que é referência teórica sobre a arte livre e independente. Mas mesmo antes, o revolucionário bolchevique já criticava a forma como o stalinismo relacionava de maneira mecânica as questões culturais e econômicas e reivindicava a anarquia na produção artística e intelectual.

No livro Literatura e Revolução (1922 - 1923), Trotsky irá escrever:

“Isso quer dizer que o Partido, contradizendo seus princípios, adota uma posição eclética nos domínios da arte? O argumento que parece fulminante é meramente infantil. O marxismo oferece diversas possibilidades: avalia o desenvolvimento da nova arte, acompanha todas as suas mudanças e variações por meio da crítica, encoraja as correntes progressistas, porém não faz mais que isso. A arte deve abrir por si mesma seu próprio caminho. Os métodos do marxismo não são os mesmos da arte.”

Muitas associações poderiam ser feitas nesse artigo entre a filosofia e a prática dos dadaístas com o niilismo que alguns pesquisadores comentam, com a influência do pensamento do filósofo alemão Friedrich Wilhelm Nietzsche, com a crítica direcionada ao positivismo, com o existencialismo e Rosa Luxemburgo, com as teorias psicanalíticas de Freud, etc. Mas o caminho escolhido até aqui foi o de apenas apresentar um esboço sobre essa polêmica vanguarda artística e alguns de seus desdobramentos históricos.

Pra finalizar, fiquemos com um trecho de entrevista cedida por Tristan Tzara em 1950:

“Para compreender como nasceu Dada é preciso imaginar, de um lado, o espírito de um grupo de jovens naquela espécie de prisão que era a Suíça na época da Primeira Guerra Mundial e, de outro, o nível intelectual da arte e da literatura naquele tempo. Claro, a guerra tinha que acabar e, depois dela, nós iríamos ter outras. Tudo isso caiu naquele semi-esquecimento que o hábito chama história. Mas, por volta de 1916-1917, a guerra parecia que não teria mais fim. Além disso, de longe, tanto para mim como para meus amigos, ela assumiu proporções falseadas por uma perspectiva demasiado ampla. Daí o desgosto e a revolta. Éramos decididamente contra a guerra, sem cair, porém, nas suposições fáceis do pacifismo utopista. Sabíamos que não se podia suprimir a guerra, a não ser extirpando suas raízes. A impaciência de viver era grande, o desgosto aplicava-se a todas as formas da civilização dita moderna, as suas próprias bases, à lógica, à linguagem, e a revolta assumia formas que o grotesco e o absurdo superavam de longe os valores estéticos. Não se deve esquecer que na literatura, um sentimento invasor mascarava o humano e que o mau gosto com pretensões de grandeza grassava em todos os setores da arte, caracterizando a força da burguesia em tudo aquilo que ela tinha de mais odioso” (MICHELLI, Mario de. As vanguardas artísticas. São Paulo: editora Martins Fontes, 1991, pag 130).




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